Ministro Edson Fachin decidiu que competência para processar e julgar a ação é da Justiça Estadual de Minas Gerais
O Supremo Tribunal Federal (STF) julga, no plenário virtual, se processos que responsabilizam executivos da Vale pelo rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG), devem ser submetidos à Justiça Federal de Minas Gerais ou à Justiça Estadual.
Em 2019, 270 pessoas morreram após uma barragem com rejeitos de minério eclodir e o munícipio ser inundado pela lama. Os ministros da 2ª Turma têm até a próxima segunda-feira (17/10) para terminar o julgamento, que ocorre no plenário virtual.
O Ministério Público de Minas Gerais ofereceu denúncia contra diretores e funcionários da Vale e da consultoria alemã Tüv Süd, que produziu relatórios atestando a segurança da barragem. Eles são acusados de homicídio duplamente qualificado (por meio cruel e sem chance de defesa) de todas as vítimas e por danos ambientais. As empresas também foram denunciadas por crimes ao meio ambiente.
A denúncia aponta que foram submetidas declarações falsas atestando a estabilidade da barragem ao órgão que hoje leva o nome de Agência Nacional de Mineração (ANM). Isso teria prejudicado a capacidade de fiscalização e gerado riscos que poderiam ter sido mitigados, mas levaram ao desastre.
As defesas de Fabio Schvartsman, então CEO da Vale, e de Felipe Figueiredo Rocha, que atuava como engenheiro civil na área de recursos hídricos da companhia defendem que o processo criminal tramite na Justiça Federal de Minas Gerais.
Após rejeições no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), a demanda foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em outubro passado, que ordenou que o processo fosse remetido à 9ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais, em Belo Horizonte. Nesse período, não houve avanços na tramitação. Antes, o caso tramitava na a 2ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Brumadinho.
Na decisão, o STJ entendeu que a competência seria da Justiça Federal, pois os fatos sustentados na denúncia aconteceram em prejuízo a bens, serviços ou interesses da União. A Constituição estabelece ser responsabilidade de juízes federais julgar crimes “praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União” – como consta no quarto parágrafo do artigo 109.
Em junho, o ministro do STF Edson Fachin decidiu, monocraticamente, que o caso deveria retornar à competência do TJMG. Para ele, a omissão de informações em documentos destinados ao fiscalizador indica apenas um prejuízo indireto a União, por isso não haveria necessidade de o caso tramitar na Justiça Federal.
“É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de que ‘o interesse da União para que ocorra a competência da Justiça Federal prevista no art. 109, IV, da Carta Magna, tem de ser direto e específico’, não sendo suficiente o ‘interesse genérico de coletividade, embora aí também incluído genericamente o interesse da União’”, afirmou na decisão.
Assim, só haveria competência da Justiça Federal para julgar crime de falsificação de documentos se houvesse intenção em causar lesão a bens, interesses ou patrimônio da União. Relator dos recursos extraordinários, por enquanto ele foi o único a votar no julgamento, nessa mesma direção. Já o ministro Ricardo Lewandowski se declarou suspeito.
“A competência da Justiça Federal para julgar o crime de falsificação de documentos somente será fixada nos casos em que comprovada a intenção do agente em causar lesão a bens, interesse ou patrimônio da União”, diz em seu voto no julgamento.
Ele aponta ainda que a lesão ao funcionamento da ANM, que atrairia a competência da Justiça Federal, não se sobrepõe aos crimes ambientais e homicídios, que são o cerne da denúncia.
“O interesse prevalecente é o dos inúmeros particulares que foram diretamente afetados com a perda de familiares e amigos, e não o interesse mediato e diferido da União decorrente de declarações falsas que teriam sido apresentadas a órgão fiscalizador”, afirma.
Para a defesa do engenheiro Felipe Figueiredo Rocha, a questão a decidir é se houve violação aos serviços federais prestados pela ANM. A falsificação de documentos teria acarretado prejuízos à fiscalização, ainda que bens da União não tenham sido diretamente impactados.
“O que defendemos é o mesmo que a denúncia diz: os acusados omitiram informações da ANM e isso impediu a devida atuação da agência, de forma que, se não tivesse acontecido, poderia ter evitado os crimes”, afirma o advogado dele, Eugênio Pacelli.
Pacelli questiona o uso de jurisprudência que trata da falsificação de documentos, usada por Fachin para dispensar o pedido. “Não se trata de falsificação de documento federal, mas de suposto uso de documento particular falso para ludibriar e, assim, comprometer o serviço federal de fiscalização da segurança de barragens de mineração”, diz o agravo de defesa.
Por envolver crime contra a vida, o caso deverá ser julgado pelo Tribunal do Júri, tanto se tramitar na Justiça Federal quanto se for mantido na Estadual. Em ambos os casos o julgamento seria realizado em Minas Gerais.
Nas redes sociais, a Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) se mobiliza para que o julgamento da ação penal seja mantido em Brumadinho. Eles gravaram vídeos de apelo aos ministros do STF.
“Quase quatro anos depois, ainda há quatro corpos enterrados pela lama da Vale. Foi aqui que aconteceu o crime e é onde queremos que ele seja julgado”, diz Karina Andrade, irmã de Natalia Fernanda da Silva Andrade, que morreu na tragédia.
No STF, o caso é julgado no RE 1.378.054 e no RE 1.384.414.
Fonte – Jota Info Leticia Paiva